Publicado postumamente, o Divã do Tamarit foi escrito entre 1931 e 1935, em sua maior parte na propriedade da família de Federico García Lorca citada no título, em Granada. Os poemas do livro, embora referidos como gazéis e casidas, formas típicas das poesias árabe e persa, foram compostos em versos livres. Só mesmo um poeta imenso para ter a liberdade de se apropriar, em espírito, de uma determinada lírica e torná-la sua.
No prólogo dessa novíssima edição bilíngue da Biblioteca Azul, o arabista Emilio García Gómez confidencia que Lorca escreveu os poemas como forma de homenagear os antigos poetas granadinos (“divã” vem a ser justamente uma coletânea de gazéis e casidas) e a própria cidade, onipresente nos escritos. Não poderia haver homenagem maior do que reafirmar a própria voz a partir de uma tradição poética tão rica.
Assim, o que temos no Divã do Tamarit é uma subversão das mais enriquecedoras. Longe de violentar sua fonte de inspiração, Lorca a engrandece por meio de um esforço original e vigoroso. Em vez de uma mera descaracterização, ele perpetra uma reinvenção.
Versos como “Há um muro de pesadelos / a separar-me dos mortos // A noite toda, no horto, / meus olhos como dois cães” espalham-se pelas páginas com uma insolência perturbadora. Há um transbordamento das imagens, próprio do angustiado “sonho ao ar livre” que caracteriza a melhor lírica lorquiana: “Flor de jasmin e touro degolado. / Pavimento infinito. Mapa. Sala. Harpa. Aurora. / A menina finge um touro de jasmins / e o touro é um sangrento crepúsculo que brama”.
A carga onírica e imagética desses poemas foi belissimamente recriada em português por Josely Vianna Baptista.