Este livro tem como tema central o estudo das práticas religiosas em seus nexos com a história social de São Paulo e do Brasil da última década do século XIX até as primeiras do século XX. Dialoga com pesquisas anteriores que demostraram a importância de uma religiosidade difusa oriunda de crenças africanas e afro-brasileiras no processo de luta contra a reificação pretendida pelo regime escravista. Inscrita na organização do dia a dia de escravos e forros e nas ações de curandeiros e feiticeiros, insinuava-se a força de uma sensibilidade religiosa transformada em componente essencial de processos cognitivos por meio dos quais estes grupos pensavam a si próprios e se compatibilizavam com a realidade imposta. O contato com a documentação criminal e com as notícias da imprensa sobre as práticas religiosas demonstrou, no entanto, que a problemática envolvida nos novos tempos era mais complexa. Principalmente de que não se tratava de simples permanência de crenças e de tradições do catolicismo popular e da religiosidade de matriz africana, mas de um cenário de revivescência dos mais variados credos e crenças, denotando, em outros termos, o teor das transformações ocorridas desde os finais do Império. De um lado, a Abolição e a República, a errância de homens e mulheres em busca do ganha-pão ou fugindo das estruturas de mando, as lutas travadas em Canudos e no Contestado, e de outro lado, a aceleração da urbanização com a chegada de milhões de imigrantes e migrantes. Tais movimentos foram acompanhados pelo alastramento de vertentes do pensamento espiritual: a difusão do espiritismo, as teorias e práticas do magnetismo animal, a ciência do ocultismo, a quiromancia e a cartomancia mesclavam-se às tradições existentes e moldavam práticas e figuras sociais multifacetadas.
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