Este livro é uma bela homenagem à historicidade dos lugares, pois recupera a complexidade socioeconômica e cultural de uma vasta área do Rio de Janeiro geralmente desvalorizada pelo pensamento dominante. Essa homenagem implica uma recusa da seletividade espacial que sustenta a estrutura hierárquica e excludente da cidade; seletividade que naturaliza desigualdades sociais, estigmatiza a sociabilidade de grandes segmentos da classe trabalhadora e legitima privilégios econômicos e políticos. Ao enfrentar omissões e esquecimentos, o livro rompe com dicotomias repetitivas (favela × asfalto, centro × periferia), abrindo a percepção do leitor para a dinâmica social subjacente a paisagens rotuladas como secundárias ou como destituídas de simbologias relevantes. Com essa abertura da percepção, emergem outras representações sociais, correspondentes a outros relatos e fios condutores da história da cidade. Com esses fios e relatos, conjugam-se, nos textos aqui reunidos, práticas sociais e usos do espaço em direção a um imaginário urbano plural e historicamente informado. Para a afirmação desse imaginário, 150 anos de subúrbio carioca traz o resultado de competentes pesquisas documentais, além de conceitos, imagens e mapas. Esses elementos traduzem-se num convite para que o leitor ultrapasse fronteiras físicas e discursivas, elaborando seu próprio roteiro para uma visitação – efetiva ou apenas sonhada — a outras faces da cidade, recuperando ideários perdidos, territorialidades omitidas e dimensões esquecidas do cotidiano. Esse convite expressa uma necessidade do presente, já que corresponde ao enfrentamento de mecanismos responsáveis pela desqualificação de recursos materiais e culturais que podem favorecer a projeção de futuros mais íntegros e generosos. Dar visibilidade ao passado significa dar sentido à experiência urbana, às lutas diárias e aos afetos, tornando essa disputa mais igualitária e justa. Os autores assumiram essa tarefa e percorreram, em sua realização, caminhos plenos de enredos e bifurcações. O leitor dispõe, agora, de uma cartografia aberta, composta por memórias, que o anima à descoberta da riqueza do espaço vivido. Ana Clara Torres Ribeiro Socióloga, professora e pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR-UFRJ).