Abraão é o referente mítico fundacional de ao menos três sistemas religiosos. Abraão aparece como Ibrahim no Corão e na maior parte das versões árabes do Antigo Testamento. No título destas páginas, trazemos à lembrança a célebre imagem de Kierkegaard – a angústia de Abraão – para podá-la de excepcionalidade, pretendendo duas coisas: em primeiro lugar, considerar, em sua justa medida, o papel dos supostos fundadores dos sistemas religiosos. Em segundo lugar, navegar pela evolução das ideias religiosas médio-orientais, traçando o surgimento de sua natural arabização: o islã. Partimos da ideia de que a compartimentação dos sistemas religiosos chamados abraâmicos – judaísmo, cristianismo e islã – é convencional e arbitrária, da mesma forma que suas datas de fundação ou a pretensão de constituir três sistemas individualizados em torno de cada uma das ortodoxias. Pode-se admitir a assumida separação voluntária entre esses sistemas, mas eles não podem ser estudados separadamente – nem algum deles, nem os três sem suas heterodoxias –, como também não existem tal e como hoje os reconheceríamos até pelo menos a Idade Média, nem o que é hoje representativo de cada um é tudo o que cada um produziu ao longo da história. A ideia motriz destas páginas é substituir o conceito mítico de transmissão textual pelo de evolução na história desses sistemas religiosos, propondo uma mudança de paradigma que possibilite um estudo racional e científico do fato religioso na história.