A tese de Ana Maria Fernandes é muito minuciosa e bem documentada, abordando em seu texto temas de grande relevância, como a mudança na "qualidade orgânica" dos cientistas no Brasil, a concepção da SBPC sobre a ciência, as relações entre ciência e Estado, mudanças no Estado e na sociedade no Brasil após 1964, a transição de 1973 a 1976 - com referência especial às reuniões anuais desse período -, as alterações entre 1977 e 1980 e a definição do "novo caminho" - independência da SBPC e participação dos cientistas no processo de tomada de decisão... A autora analisa a formação, os objetivos, o papel e as tendências da SBPC, salientando que sua primeira campanha consistiu na defesa do cientista e da ciência, assim como no combate ao poder político limitado e intervencionista. Conseguiu a sociedade estabelecer sua autonomia perante a sociedade civil e o Estado, apesar de ser amplamente amparada financeiramente por este. A seguir, Ana Maria examina dois casos extremos de intervenção militar em instituições acadêmicas (a crise da Universidade de Brasília e o chamado "massacre de Manguinhos") e a condenação da SBPC ao regime repressivo, ao mesmo tempo em que registra o entusiasmo desta pelo aumento do orçamento federal para a ciência e pela instituição da política científica. Salienta ainda que a entrada das ciências humanas na sociedade lhe trouxe mais amplo público e a levou a adotar papel mais crítico. A terceira seção trata da quebra do que a autora chama de "período de colaboração" e do papel da SBPC no processo de democratização nacional, quando ela se transforma em "importante fórum de debate". Nesse período a organização realçou sua independência em relação ao Estado e robusteceu suas ligações com a sociedade civil. Ao mesmo tempo, surgiram tentativas para definir um novo papel para a SBPC como associação profissional e política. Como conclusão geral, a autora afirma que o fortalecimento do papel da SBPC não assegurou, todavia, a solução dos problemas da ciência e dos cientistas no Brasil, dadas as características do país e a exclusão dos cientistas do processo de tomada de decisão... Em suma, o trabalho da professora Fernandes constitui preciosa contribuição à compreensão da ciência no Brasil e ao papel que a SBPC tem desempenhado. O capítulo final, de conclusões, é visão abrangente e ponderada dessa realidade, refletindo com precisão as crises que a sociedade enfrentou em sua luta pelo progresso da ciência e pela democratização do país. Cabe-nos acrescentar que, nessa trajetória, muito se conquistou no que se refere à mobilização dos cientistas e a sua influência em muitas decisões políticas. Sua voz tem hoje muito maior ressonância nas classes dirigentes e no público. Autor: José Reis, artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo.