O livro não necessita de qualquer antecipação que frustre o encontro original de cada um com o texto. Senão o gesto de uma leitura carinhosa que mapeie, por diálogos abertos, os momentos que despertam aquela arte que Foucault chamava de “arte de inservidão voluntária, de uma indocibilidade reflexiva”. Publicado em 2018, o estudo tem como perspectiva central refletir sobre os contornos das estratégias de governo forjadas desde táticas de contrainsurgência levadas a cabo nos Estados Unidos e que consequentemente servem de modelo aplicável aos diversos contextos mundiais. De modo direto, desdobra-se um novo paradigma de governo de populações nos EUA, ou seja, um modelo político da guerra de contrainsurgência lastreado por técnicas militares que comportam três eixos fundamentais: a obtenção total de informações; a erradicação da minoria ativa e a conquista da lealdade da população em geral. Harcourt procura descrever as ondas em que os próprios norte-americanos tornaram-se alvos das estratégias de contrainsurgência de seu próprio governo, que resultam como que num conjunto prático que estabiliza uma espécie de domínio em torno de uma lógica de guerra sem a presença de uma insurgência, insurreição ou revolução – a dita Contrarrevolução. É apenas ao fim, que Bernard assume expressamente a crítica foucautiana para “não ser governando desta maneira”. Se há a eterna recorrência de novas formas de servidão é porque antes novas formas de resistência as acompanham. Somos efeitos da constante batalha em torno da nossa própria subjetividade, dos processos de subjetivações que nos atravessam. As resistências são interligadas às tecnologias de assujeitamento e, além de contrapoder às formas tirânicas de subjugação, são intensificadores que se opõem às tentativas de governar através do medo, do terror, da dominação absoluta. Quando uma nova forma de governar enraizada num paradigma militar de guerra contrarrevolucionária não cansa de demonstrar seus próprios métodos e estratégias para governar, nos mais diversos quadrantes, a resistência pela coragem de verdade deve ser incansável e contínua. Se falhamos simplesmente em reconhecer o lado sombrio da legalidade, como assevera Bernard, que não se menospreze o vigor das mobilizações que sabem viver o enigma da insurreição