Para quem é caiçara, o mar é a terra. Num país com uma extensão litorânea tão vasta, o mar é protagonista na vida das pessoas. Não se trata apenas do alimento que ele fornece, mas sim de um modo de vida que é regido por ele. O ritmo das marés, o jogo dos ventos entre o mar e a terra, o som das ondas, a paisagem, o sustento que vem de barco, dependendo de sua generosidade - há os dias em que ele traz a vida, mas há também os dias que ele a tira - disso entende, e dá aula, o pescador. Na sua sabedoria de saber " ler" e conversar com o mar, caiçaras antigos constroem suas canoas, tecem suas redes, construindo também a si mesmos e tecendo a trama de suas existências. Não se trata de um ofício apenas, mas de um modo de ser. Este livro, injustamente entre poucos, que dá voz às histórias e à tradição de quem vive com o mar, consiste num verdadeiro manifesto do saber caiçara. Saber este que vem sendo apagado pelo capitalismo e pela especulação imobiliária. Aqui, a autora Rosângela Dias da Ressurreição, herdeira da tradição caiçara do litoral paulista, nos convida a conhecer este rico universo e nos conscientiza sobre esta minoria que vem lutando para preservar seus valores e seu modo de vida. A sensível metodologia na pesquisa de Rosângela nos mostra que há muito o que aprender com a vida caiçara. A fala do pescador entrevistado e conhecido da autora, Valmir Cruz, nos dá uma ideia: "Ter a liberdade de ir à praia, pescar seu peixe, fazer e comer - pescar é o meu trabalho. Eu sou pescador e faço tudo para mim. Sinto-me melhor no mar do que em terra. O mar é minha terra".
Patrícia Rodrigues de Souza -
Doutora e mestra em Ciência da Religião - PUC-SP