Por ser o herói uma construção determinada a partir das necessidades de sua época, ele se torna um ser extremamente singular e insubstituível. O processo de criação e apropriação da figura heróica que emerge dos textos da Península Ibérica dos séculos XIII e XIV é o objeto deste livro de Simone Ferreira Gomes de Almeida. A autora parte das antigas técnicas mnemônicas, que indicavam o uso de determinados símbolos como método de despertar a memória, para chegar à Idade Média. Na Antiguidade, ela demonstra, as melhores imagens que se podia evocar para recordar vícios e virtudes eram as dos deuses e heróis, como reza o texto conhecido como Dialexeis (400 a.C.). Almeida mostra que, na Idade Média, as figuras mitológicas são retomadas da Antiguidade para lembrar o que fosse considerado virtuoso, bom e verdadeiro, agora de acordo com a ética cristã. Dessa forma, deveriam transmitir o conhecimento que Deus proporcionou aos homens, ou seja, a salvação, a santidade e a vida eterna. Como os escritos antigos não se adequavam ao gosto do tempo e a seus valores, os cronistas medievais da Península Ibérica dos anos 1200 e 1300 decidiram revitalizá-los, reformando-os como fonte da verdade divina. As antigas figuras da mitologia passaram, então, a lembrar à sociedade que os vícios eram o caminho para o Inferno e as virtudes, para o Paraíso. Assim, a construção da figura do herói dos medievais, de acordo com a autora, levou em conta inclusive os interesses dos escritores das cortes ibéricas de enaltecer o homem que deixasse sua marca não apenas na sua geração, mas também nas posteriores. Ela escreve: “Tendo em vista que, assim como o herói clássico alcançou a sobrevivência da sua fama através dos séculos na memória coletiva, os cronistas dos séculos XIII e XIV desejaram alcançar a mesma glória para sua dinastia através da construção de linhagens forjadas, que procuravam afirmar ainda mais devido ao propósito da centralização do poder na Península Ibérica”.