São muitos os níveis de leitura desse pequeno romance aparentemente simples, mas que consolida Maria Dolores Wanderley como uma das vozes femininas mais singulares da atual literatura brasileira. A elegância e transparência da prosa da autora constroem um relato que vai sutilmente enredando o leitor ao redor de uma história de amor que tem como fio condutor justamente o uso das palavras, ou o que, num registro mais pedante, denominaríamos como linguagem. A sinalização é importante, pois é uma das chaves de leitura da obra de Dolores, e uma de suas principais realizações: como tratar de temas profundos mantendo-se sempre no campo daquilo que desarma e comove, distante de falsos virtuosismos literários ou inócuas pretensões intelectuais. Em "A história de Doralice" testemunhamos a história de amor entre uma mulher madura que sofre um infarto e seu médico, um homem excepcionalmente compassivo e sensível que sofre de uma incapacidade de comunicação. Intermediando seu encontro, há os diários de Doralice, "O livro dos ossos", a história de busca de um pai.... A poesia — o modo mais elevado do uso das palavras — salva e redime, mas não só: a poesia transforma o mundo; e o amor permite movimentação, permite novos horizontes, novas formas de viver. Tendo como pano de fundo os terríveis anos de pandemia sob um governo que dividiu o país, "A história de Doralice" é um conto de amor e esperança, um chamado à união aos auspícios das melhores virtudes humanas e, no caso específico do Brasil, sua concretização em políticas públicas justas e inclusivas, o amor pelo meio-ambiente.