“Todos os livros brancos parecem ter sido escritos na língua branca”. Comecemos nossa leitura deste livro branco por aí e pensemos: de onde vêm estas imagens de Maria Helena Lira? Elas nascem das fotografias cuidadosamente escolhidas pela escritora para compor seu livro? Ou é mesmo sua escrita, tão fotográfica quanto as imagens visuais que introduzem e se introduzem nos textos, o que evoca essa visualidade? Ao ler este livro branco, o que me ocorre, uma vez mais, é que a literatura possui sua própria capacidade de imajar: são imagens soletradas, que trazem só letras em sua composição, mas que evocam um mundo às vezes inimaginável: o mundo branco de uma livraria branca, numa cidade que aos poucos vai se tornando iluminada pelo branco. “Mas que instância é esta dentro de mim, que me faz sentir tanto medo, um medo físico de algo que ainda está e somente está no nível da palavra?” – eis a voz-testemunha a sugerir que tudo, neste texto, nasce e morre nas palavras. Fiquemos com as imagens soletradas e com as cores sutis que iluminam este livro branco em que as palavras têm peso. Às vezes, elas nos falam apenas de peras esquecidas na mesa de jantar. Mas é preciso lembrar: elas são ásperas. Por isso, talvez, evoquem o desejo de “ser simples e ainda assim existir”. E evoquem, então, uma certa perenidade diante do efêmero que nos atravessa, a cada instante, ao ler este livro que desenha, no invisível, a imagem de uma carta-letra feminina, a derramar água de uma bilha para outra: a Temperança.