A menina do sobrado é o último livro de uma obra enxuta, tanto no estilo quanto na quantidade de títulos. Pois Cyro dos Anjos, como um Flaubert brasileiro, escreveu pouco. Mas um pouco meditado, sopesado, realizado. Publicado originalmente em 1979 (Prêmio Jabuti), é agora relançado como parte de suas Obras reunidas, com coordenação, plano de edição e fixação do texto de Wander Melo Miranda.Chamado pela crítica de romance-memória, com seus capítulos com sabor de crônica, A menina do sobrado, cuja modernidade é marcada por essa fluidez de gêneros, divide-se em duas partes. A primeira, originalmente publicada em separado sob o título de “Explorações no tempo”, e agora rebatizada de “Santana do Rio Verde” (nome de sua cidade natal, hoje Montes Claros, MG), cobre o período da infância e da adolescência num ainda bucólico interior mineiro. A segunda, “Mocidade, amores”, registra os tempos de juventude em Belo Horizonte, em pleno modernismo (1923 a 1931). As duas partes, além do recorte temporal individual, marcam portanto outras mudanças: de um tempo antigo (como diria seu conterrâneo Drummond) para um tempo moderno, do interior rural para o mundo urbano da capital. Nesses deslocamentos sobrepostos, deslocam-se as aspirações, as percepções, a sensibilidade e a memória do narrador. Ao mesmo tempo, constrói-se uma biografia (em mais de um sentido): a formação universitária e literária, o encontro com a futura mulher, Lilita, o amadurecimento intelectual e pessoal. Mistura de Rubem Braga com Marcel Proust, ou do Machado de Memorial de Aires com o próprio grande cronista que foi Cyro dos Anjos, A menina do sobrado é constituído de textos breves como crônicas, impregnados, porém, de reflexões sutis cujo foco oscila entre os fatos e as experiências, o pessoal e o coletivo, os tempos e os lugares, num estilo elaborado mas claro, que integra, sem solução de continuidade, as lembranças mais pessoais às citações literárias mais clássicas. Seguindo os passos de Drummond, Murilo Mendes e Pedro Nava, entre outros, com A menina do sobrado Cyro dos Anjos se integra e se entrega à grande tradição mineira da literatura memorialística, nas palavras de um crítico, “uma literatura marcada pelas conexões intrincadas e oblíquas entre o particular e o universal, a realidade e a invenção”.