UM JOGO DE TRIÂNGULOS Prefácio de Christina Ramalho*"Ao peso do sono, o homem vem à tona. Contudo mergulhamos, se o peso de outro sonho, bem maior, nos apanha" - Carlos Nejar José de Alencar, em Iracema, declarou-se “avesso aos prólogos”, comparando-os aos pássaros que bicam as frutas antes que estas sejam colhidas. O ilustre Brás Cubas, em suas Memórias póstumas, foi ainda mais incisivo (além de irônico): afirmou que os melhores prólogos são aqueles que menos contêm ou, ainda, os que fazem uso do dizer “obscuro e truncado”. Diante de argumentos de tal peso, parece-me imprudente fazer deste texto – que objetiva unicamente convidar e instigar leitores e leitoras a percorrerem os rumos mítico-simbólicos criados por Nicodemos Sena, em A mulher, o homem e o cão – um pássaro importuno ou uma longa e ensimesmada análise literária, na qual imanências do romance que a mim se revelaram pudessem, ao se tornarem explícitas, impedir leitores e leitoras de encontrarem, livres de condicionamentos, suas próprias revelações. Assim, muito aquém do estudo crítico denso que a obra merece, esta apresentação far-se-á apenas porta-voz de impressões de leitura que me parecem suaves o bastante para não comprometerem o posterior envolvimento de leitores e leitoras com o romance. Penso no romance A mulher, o homem e o cão como um caleidoscópio, cujas imagens brotam da associação constante e mutável de pequenos triângulos simbólicos que encerram em si significados próprios logo transgredidos e transformados por outros, trazidos pelo movimento contínuo do brinquedo. Nos vértices desses triângulos, personagens. E a movimentar o caleidoscópio, o narrador, que, dialogando com um ouvinte próximo (um “senhor”), faz de nós, leitores e leitoras, receptores de segunda mão, destinados a confiar no testemunho do tal senhor que ouviu do narrador-homem, um dos personagens do romance, histórias fantásticas, com ele e com sua família ocorridas, que perpassam mitos regionais e bíblicos, indistintamente, numa