Um jogo de tarot: o louco, o mago, o diabo. Um sujeito fragmentado, afinado com o espírito do nosso tempo – nossa velocidade, nossa inexatidão – busca por autoconhecimento e elevação espiritual. Esta é a narrativa desse livro de Caco Pontes, o quarto do poeta. Divido em três blocos, ele avança em um percurso alucinado, onde a poesia é lugar de investigação do espírito; e a palavra, instrumento de conexão com a ancestralidade. Destaca-se um duplo diálogo com a tradição literária: por um lado, devolve-se à poesia seu poder de encantamento. Retoma-se certo aspecto ritualístico da oração. (Vale lembrar a dupla valência da palavra: oração, no latim oratio: discurso, linguagem, prece). E o posfácio de Mariana Perna lê com felicidade essas orações ao evocar as poéticas de Hilda Hilst, Allan Ginsberg e Octávio Paz, que também pensaram a poesia na chave do mistério. Nossos bruxos da palavra. Por outro lado, é nítida a conversa com poetas do corpo e da devassidão – recorrentes, mas, por vezes, marginalizados do nosso cânone: o uso de substâncias lisérgicas, a perambulação pela cidade bêbada e, ainda, a escolha por Claudio Willer para apresentar o livro, expoente recente dessa literatura brasileira. De certo modo, a comunhão e o mistério intrínsecos à palavra atravessam não só esse, mas todos os trabalhos de Caco. Atento à oralidade, de modo a não descolar voz e texto escrito, as performances que o poeta realiza há mais de década sempre revelaram esse estado anterior da linguagem. Não à toa, o leitor encontra em cada exemplar deste A ordem dos fatores ocultos um cartão de memória, no qual pode ouvir a performance desses poemas.