Neste livro que você tem em mãos, a religião é definida fundamentalmente pela transmissão e perpetuação da memória de um acontecimento fundante por meio de uma "linhagem religiosa": "uma 'religião' é um dispositivo ideológico, prático e simbólico pelo qual se constitui, mantém, desenvolve e controla a consciência (individual e coletiva) de pertença a uma linha particular de crentes", afirma a autora Danièle Hervieu-Léger. Aqui se retoma a noção de que a memória coletiva possui um caráter normativo, isto é, a ideia de que a normatividade específica da memória religiosa se insere na estrutura das instituições religiosas através da constituição de uma memória verdadeira: a "memória autorizada". Essa "memória autorizada" pode ser transmitida em distintas modalidades religiosas, sejam elas as provenientes de um corpo sacerdotal estabilizado ou vindas de um profeta revolucionário, no entanto, sempre, conferindo legitimação a instância de poder religioso do qual emana sua transmissão. Seja nas disputas entre religiões e grupos religiosos munidos de suas versões da memória dos primeiros tempos para a consagração da única "memória verdadeira" ou nas contestações dos movimentos de reforma religiosa e proféticos à memória oficial da religião estabelecida, é central o recurso à memória que ative uma "linha crente" ligando um passado mítico ao presente. Trata-se de uma obra que analisa a religião através da ideia de uma herança e de uma construção de identidade religiosa que se dá pela memória.