A obra de Emanuel Guimarães, publicada em 1902, permanece atual não apenas graças às qualidades literárias, mas porque sua “chave”, passados mais de cem anos, pode ser encontrada em Brasília ou nas assembléias estaduais. De fato, a semelhança entre o romance e as piores páginas do noticiário político chega a ser assustadora, mas não devemos nos prender a tal característica, pois ela apequena as virtudes desse livro injustamente esquecido, que nos ensina como a ficção pode descrever não só uma época, mas, partindo de fatos mesquinhos, retratar a índole duradoura da classe dirigente e a feliz alienação do povo.Não por outro motivo, aliás, A todo transe!… foi expulso das nossas histórias literárias, escorraçado das antologias e banido das livrarias: o brasileiro é condicionado, sempre e cada vez mais, a enganar-se quanto a seus defeitos e qualidades, travestindo-os por meio do sentimentalismo, da farra, da autocomiseração ou do comportamento ufanista. O romance de Emanuel Guimarães vai na contramão dessa cultura.Desviando-se do óbvio e da ilusão, A todo transe!… é um panorama dos bastidores da política e das regiões mais escuras do coração humano. Um romance sem ideais, mas que recusa o sarcasmo machadiano, pois seu narrador sabe diferenciar o certo do errado, o bem do mal.— Rodrigo Gurgel, no prefácio