"A Viagem" conta, através de uma narrativa vívida e densa, o cotidiano das prisões, fazendo-nos acompanhar, sobretudo na pele de Tião, as misérias e pequenas alegrias que povoam esses lugares, a tensão constante da convivência forçada com toda sorte de gente: ladrões, vagabundos e malandros, assaltantes de banco e estelionatários, traficantes de drogas e funcionários do Estado, e também presos políticos, os então chamados Lei de Segurança Nacional. Das suas páginas, vemos emergir pouco a pouco a sombria rotina dos prisioneiros, as péssimas condições do cárcere, as brigas e acertos de contas, pessoais e políticas, e – o maior dos perigos – a relação cotidiana com a face do Estado que ali se apresenta. Sem dúvida ela é marcada, como nos revela o autor, por receios e precauções diversas, pois, se a morte é uma possibilidade sempre presente por uma rixa qualquer, ela é também marcadora de posições na complexa estrutura de poder interna às prisões. A boa literatura, assim como a boa sociologia, sempre nos convida a entrar em novos mundos e a compreendê-los. Em A Viagem, André Borges nos convida – mais que isso, nos interpela – a conhecer, explicar e sentir um mundo ainda paralelo, pois fora das vistas e das mentes de muitos de nós, ausente de fato de uma regulação democrática e justa. Prefácio de Márcia Pereira Leite, socióloga, professora e pesquisadora da UERJ.