Cyro dos Anjos é um autor que se pode chamar de “sóbrio”. Sóbrio no estilo literário, sóbrio na quantidade de títulos, sóbrio na personalidade. O mesmo, porém, não se pode dizer do personagem-título de seu segundo romance, Abdias, que a Globo ora relança como parte das “Obras Reunidas”, com coordenação, plano de edição e fixação do texto por Wander Melo Miranda – além de posfácio de Reinaldo Marques.
Estréias literárias costumam passar despercebidas, tornando-se relevantes retrospectivamente, quando o nome do autor se firma. Se, porém, a estréia é estrepitosa, dá-se o oposto: o resto da obra será observado prospectivamente a partir da estréia, cujo desempenho deve superar. A expectativa, no entanto, tende a viciar a recepção. Caso clássico é o da obra de Cyro dos Anjos e seu primeiro livro, o famoso O amanuense Belmiro, que de início comprometeria a leitura justa de Abdias. Justa no sentido de dever ser, ou não, sustentada pelo próprio romance, em vez de por comparações expectantes.
Todo estilo é feito de opções. Em Cyro dos Anjos, seus dois romances principais optam pela mesma técnica narrativa, da imitação de um diário. Mesma opção de Machado de Assis em seu último livro, Memorial de Aires, distinto de Esaú e Jacó, o penúltimo. Este, porém, não difere muito da técnica romanesca de Dom Casmurro... Usando, então, a classificação de Ezra Pound, que divide os criadores em inventores, mestres e diluidores, Machado foi, ao mesmo tempo, inventor e mestre, enquanto Cyro dos Anjos, se não foi um inventor, é um mestre consumado das técnicas de que se utiliza. Abdias o exemplifica à perfeição.