O caráter descentralizado da Internet, baseado no uso de protocolos TCP/IP – enquanto elemento-chave da sociedade da informação, que constitui o conjunto de redes conectadas entre si de tal forma que se faz possível a comunicação instantânea de qualquer ponto, em se tratando de um meio global –, inviabilizando a presença de qualquer organismo diretor central, não obstou, mas, pelo contrário, só fortaleceu a sua evolução, seja no comércio eletrônico, seja nas redes sociais, seja na aperfeiçoamento da gestão pela Administração Pública.
Com muita alegria, recebi o convite para prefaciar a obra Administração Pública Digital, do jovem e brilhante pesquisador José Faleiros Júnior. Nas palavras do autor, ao longo de várias eras, a integração computacional e a facilitação do acesso dos cidadãos ao ambiente virtual propiciaram a captação de um volume de informações, de forma estruturada ou não, formando o que se convencionou chamar de Big Data.
Porém, a grande preocupação que surge não diz respeito à quantidade de dados, mas ao tratamento dispensado pelas grandes corporações às informações, demandando intervenções estatais para regulamentar determinadas relações jurídicas e proteger direitos fundamentais. Essa é a situação-problema proposta na presente obra: se há grande descompasso entre o avanço tecnológico e a capacidade estatal de legislar para tutelar novas contingências decorrentes da tecnologia, como inovação e regulação poderão coexistir? Com base nessas premissas, e em sólida pesquisa dogmática, indaga o autor sobre os contornos do direito fundamental à boa administração pública na sociedade da informação.
O ritmo da inovação tecnológica, pontua o autor, caminha em verdadeiro descompasso com a capacidade do Estado de prover soluções jurídicas adequadas. A constante (e acelerada) evolução das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) dá a tônica do processo histórico que culminou na preocupação do autor em investigar seus efeitos sobre o direito público. E isso se apresenta a partir de algo que ele próprio enuncia como um ‘descompasso anunciado entre inovação e regulação’, que sempre coloca o ritmo de desenvolvimento tecnológico adiante da capacidade do Estado de se adaptar a essas transformações, implicando em ‘gap’, ou lacuna de tempo, durante a qual certa escassez regulamentar pode implicar riscos e contingências de toda espécie.
De forma inovadora e ambiciosa, o autor enfrenta esse problema desde suas raízes, identificando os principais gargalos que tornam o Regime Jurídico Administrativo, nos moldes tradicionais, incapaz de responder totalmente às necessidades que as novas tecnologias impõem ao Estado, na busca pela pacificação de conflitos.
Ao se lançar nessa empreitada, o autor apresenta as três linhas mestras que compõem, cada qual, o objeto preponderante dos capítulos segundo a quarto do trabalho: (i) em primeiro lugar, propõe a implementação de políticas de governança, se debruçando sobre a compreensão do chamado compliance, como solução possível para a proliferação de uma cultura de conformidades que previna ilícitos; (ii) em segundo lugar, analisa o fenômeno da consensualização, potencializada pelo uso de aparatos tecnológicos, visando à aproximação do povo (verdadeiro detentor do poder) aos processos decisionais do Estado, com vistas à elevação de sua legitimidade; (iii) em terceiro lugar, analisa a procedimentalização digital, tema difícil, mas que abriria caminhos alternativos para permitir a revisitação da clássica disciplina dos atos e dos processos administrativos com base em postulados que, embora dependentes do implemento de novas tecnologias, preveniriam os riscos da malfadada tecnocracia.