No ordenamento jurídico brasileiro, à mulher que decide entregar um filho biológico em adoção não é dado nenhum direito relacionado à escolha da família adotiva. Essa mulher tem direito a ser ouvida por equipe interdisciplinar no ato da entrega, mas não pode participar de nenhuma decisão sobre o futuro da criança, sendo, portanto, apagada e invisibilizada no processo de adoção. Esta situação decorre do paradigma do abandono, que penaliza a mulher que opta pela renúncia da maternidade, que seria uma vocação instintual, culturalmente forjada através do mito do amor materno. Todavia, as situações da vida demonstram que a decisão pela entrega é marcada por intensas subjetividades e ambivalências, sendo importante para a mulher que toma tal decisão ser não só ouvida, mas também considerada na colocação da criança em família substituta. Assim, é apresentado o direito à adoção intuitu personae motivada pela entrega direta da criança, pela mãe à família substituta, como decorrência da autonomia e da liberdade reprodutiva da mulher. São analisadas políticas públicas sobre liberdades reprodutivas no mundo, bem como as agendas de direitos humanos para a dignidade reprodutiva da mulher. Além disso, a adoção é, em si, tomada neste trabalho como um instituto que precisa ser informado por essas liberdades, afinal sua função, pela ótica da mulher, é de servir de meio para a desistência de uma parentalidade indesejada. Demonstra-se que a adoção não pode ser formulada como um caminho alternativo ao aborto ou ao “abandono”, mas sim como política pública a considerar a autonomia da mulher para a entrega. As prerrogativas dadas à essa mulher devem contemplar o poder de decisão sobre a família que receberá seu filho biológico, bem como o direito de não ser apagada após a adoção. Para alcançar-se os objetivos do trabalho, fez-se uso de literatura jurídica relacionada à perspectiva de constitucionalização das relações privadas, bem como de literatura crítica com perspectiva de gênero, com enfoque em produção científica da antropologia jurídica nacional e internacional, além de terem sido considerados dados, estatísticas, normas, projetos de lei, opinativos, entendimentos jurisprudenciais e casos concretos, viabilizando uma compreensão complexa das subjetividades da mulher que entrega um filho em adoção, e da tutela atual e possível da entrega direta.