O protagonista nasce na praia, como gosta de afirmar, e faz-se ao mundo em busca do sucesso que o compense das humilhações da infância, notabilizando-se como advogado do crime em processos mediáticos, volumosos, em cujos labirintos procura a prescrição dos crimes dos seus clientes de colarinho branco, a quem ternamente chama inocentes presumidos. A exposição mediática traz-lhe fama e proveito, mas na íngreme subida na escala social perde-se da mulher que conheceu um dia numa estação de comboios quando lia o Cem Anos de Solidão. Abrasa-o a ardente volúpia das paixões efémeras, vertigem sublime perante a morna rotina do casamento. Dilacera-o a culpa, com a dor do remorso, sem a redenção do arrependimento. Se voltasse atrás, faria tudo igual, porque, como gosta de dizer, as coisas são o que são. Confrontado, na vida como no tribunal, defende-se com alegações sem confissão nem arrependimento. Entre o casal, ergue-se um muro de silêncio e desconforto onde pulsa e se avoluma a memória de uma noite trágica de que não ousam falar. Para o demolir bastaria uma frase terna, impossível.