“A capital desse curioso lugar da Terra chama-se Angosta. Com exceção do clima, que é perfeito, tudo em Angosta é ruim. Poderia ser o paraíso, mas se transformou num inferno. Seus habitantes vivem num lugar único e privilegiado, porém não se dão conta disso nem cuidam dele.” Assim começa o romance de Héctor Abad, que se passa em uma cidade da América Latina próxima à cordilheira dos Andes, onde uma grande muralha separa ricos e pobres. No setor da elite, a entrada de visitantes só é permitida depois de uma constrangedora passagem pela imigração, quando um funcionário desconfiado faz perguntas sobre terrorismo, tráfico, explosivos, aids e distúrbios mentais. A trama gira em torno do Gran Hotel la Comedia, que nos tempos áureos era sinônimo de luxo e hoje, rebaixado a pensão, é o lar de pessoas à beira da pobreza. É nesse cenário que vivem Jacobo, um amante dos livros que antes de ganhar uma herança fora obrigado a transformar a biblioteca da família em sebo - alternando o seu tempo livre como jornalista, professor de inglês e cronista -, e Andrés, um jovem que escreve versos todos os dias e se julga poeta, ofício que em sua opinião nem de longe pode ser considerado uma profissão mas algo mais elevado, próprio dos espíritos luminosos. O pano de fundo do romance é bem conhecido de nosso cotidiano. À medida que as desigualdades sociais se tornam mais evidentes, aumenta a tensão entre os que tentam sobreviver e um pequeno grupo de privilegiados que deseja manter tudo como está. Ao flertar com a distopia e o hiper-realismo social, Héctor Abad cria uma fábula moderna como poucas vezes encontramos na literatura contemporânea. Não à toa, Angosta teve os direitos vendidos para o cinema - sua narrativa vertiginosa expõe de modo contundente um cotidiano perverso, desesperançoso, fruto do desequilíbrio social.