A publicação desta obra do português Antonio Vieira dos Santos merece ser saudada com entusiasmo. No contexto do mundo colonial português, trata-se de uma importante e rara memória; em uma sociedade em que poucos sabiam escrever, este relato de décadas de uma vida é extremamente saboroso. Enquanto comerciante estabelecido na praça de Paranaguá, Antonio Vieira dos Santos nos oferece a descrição de sua trajetória, que não foi única, mas é singular por ter sido cuidadosamente registrada. Acompanhamos, com detalhes, a construção de suas atividades mercantis, desde sua saída de Portugal até sua instalação definitiva no porto paranaense. A constituição de sua família e dos laços de sociabilidade, os interesses dos negócios mesclados aos familiares, as agruras de um negociante na manutenção da atividade mercante, tudo está descrito. Mas, indo mais além, o autor reservou páginas para registrar trajetórias de outros homens do comércio local, também portugueses, legando para a posteridade a possibilidade de se jogar luzes em outras histórias de vida, suas contemporâneas. Ainda mais raras são as descrições que faz das enfermidades por que passou, bem como as de sua esposa e um neto. Aqui temos descrições angustiantes de um homem de princípios do século XIX às voltas com as doenças e com os conhecimentos precários de como tratá-las, descritos ao longo de anos a fio. Os detalhes dos achaques e das ações médicas para combatê-las são impressionantes. No todo, o texto permite uma multiplicidade de olhares para a experiência colonial, duramente vivida por tantos, mas cujas histórias se perderam e se evaporaram com suas mortes. Para Antonio Vieira dos Santos isto não era aceitável: seu esforço de décadas para registrar sua vida e seus desafios cotidianos aqui está finalmente publicado, disponível para todos que se aventurem em trilhar o fio condutor de suas palavras.