Na década de 1970, o arqueólogo histórico James Deetz apelou para o fato de que deveríamos nos debruçar, em nossas narrativas históricas, sobre aquilo que foi feito, antes do que exclusivamente nos documentos escritos. Na concepção desse autor, aqueles resíduos deixados pelas pessoas do passado seriam extremamente informativos de suas expressões inconscientes, de modo que a sua análise permitiria compreender as estruturas mentais que guiariam os usos dos bens materiais. Embora as premissas estruturalistas por detrás de tal abordagem teórica sejam, já há bastante tempo, passíveis de críticas, o potencial da arqueologia histórica, enquanto revelador de narrativas alternativas, complementares e potencializadoras das pesquisas historiográficas tem sido crescentemente reconhecido. Nesse sentido, a arqueologia de senzalas, ao penetrar nesses locais que eram estigmatizados pelo olhar dominante e recuperar os resíduos da vida cotidiana de uma população que somente em raras ocasiões teve a possibilidade de deixar registros escritos sobre si própria, revela facetas ainda desconhecidas ou pouco consideradas da experiência desses grupos, tais como hábitos alimentares, padrões de consumo, concepções estéticas e religiosidade. A cultura material presente nesses contextos, e sua variação por meio do tempo e do espaço, rompe com o estereótipo das senzalas como lugares uniformizados, em que os escravizados assimilavam passivamente as imposições materiais dos proprietários. Pelo contrário, a diversidade material discutida nos capítulos que compõem este livro demonstra claramente a capacidade de agência dos grupos escravizados, expressa em seu empenho em construir mundos materiais e domésticos distintos, marcados por ornamentos corporais exclusivos, por louças que apelavam para estéticas próprias, pela produção artesanal de panelas que remetiam a tradições ancestrais e pela prática da caça e pesca como meios de complementar a magra ração de proteína animal fornecida pelos proprietário