Como falar sobre esses contos tão surpreendentes? O que quer que se possa dizer, paira no ar uma certeza: estamos diante de narrativas em que as primeiras linhas já nos colocam em suspensão, atentos ao desenrolar da história, seguindo com mal disfarçada ansiedade esse fio que nos levará a uma revelação, por vezes, epifânica, mas sem alarde.
O ponto de partida é quase sempre insólito, leva-nos a regiões distantes no tempo e no espaço, como os rios gelados do Canadá, a suave trajetória do Hindenburg rumo ao desaparecimento, a nau de Colombo, e até o espaço interestelar. Essas narrativas universais, colocadas em paisagens que falam aos leitores de todas as partes do mundo, poderiam ser, cada uma delas, bons argumentos de filmes a serem realizados. Se há um fio condutor, este poderia ser a viagem, o deslocamento do leitor do lugar confortável em que se encontra para uma paragem em que o insólito poderá surgir a qualquer instante, deixando-o com um sabor agridoce na garganta.
Em toda a literatura brasileira, não há nada parecido; surge uma ligeira intimidade, talvez, com os contos de Murilo Rubião, evocada sobretudo no conto sobre o homem que fraudava latas, ou uma interlocução com o melhor do que se conhece da ficção científica contemporânea, que floresce mais no belíssimo conto em que um astronauta tem sua solidão perturbada pela voz de uma mulher que se perdeu no espaço insondável.
O tempo é metaforizado nas revoluções do oceano. Não obstante a solidão, a busca do sentido da vida está sempre permeada pelo afeto, como na dança das baleias do Saguenay. O mar, com sua inconstância e mistério, é a um só tempo pano de fundo e personagem, símbolo do imponderável da alma humana que se revela nessas histórias que, um dia, tenho certeza, serão reconhecidas como dentre os melhores contos que já se produziu na literatura brasileira.
Guiomar de Grammont
Escritora e doutora em Literatura Brasileira pela USP