A virada para o século XX marcou uma guinada radical na vida religiosa da sociedade brasileira. Hegemônica durante quatro séculos, a igreja católica teve que se adequar, a partir da proclamação da República, a um estado laico. Assim, sem o amparo das estruturas oficiais de poder, viu-se obrigada a lutar por outros meios para minimizar suas perdas, procurando manter o controle do ensino ou beneficiar-se de outras formas de poder simbólico junto à sociedade, como a entronização de Nossa Senhora Aparecida como padroeira da nação, por exemplo. A própria religião, porém, foi sendo empurrada cada vez mais para o âmbito do privado, como uma espécie de prática cultural de caráter individual, em que cada pessoa deve buscar os valores que lhe pareçam mais convenientes.
Em As figuras do sagrado, Maria Lucia Montes revela as transformações que essa transição provocou no país, especialmente com o avanço de novas religiões, o que acabou criando um comércio próprio e peculiar - o mercado de bens de salvação.
Nesse contexto, coube aos líderes religiosos estruturar suas instituições de acordo com a lógica das organizações e dos fenômenos culturais de massa - o que fica evidente na distribuição dos núcleos espíritas como federações, no apelo popular de grandes movimentos católicos como a TFP e a Renovação Carismática, ou nos padrões empresariais de gestão das igrejas neopentecostais. Além disso, graças a meios de comunicação como o rádio e a televisão, outras formas de persuasão social foram incorporadas, fazendo da prática religiosa contemporânea um grande espetáculo pós-moderno.
Partindo de exemplos recentes, como a polêmica que se tornou conhecida como “o chute na santa”, protagonizada pelo bispo de uma igreja pentecostal em 1985, passando por figuras públicas como Mãe Menininha do Gantois, D. Paulo Evaristo Arns e Edir Macedo, este ensaio faz uma ampla análise sobre as nuances da relação entre o público e o privado na religiosidade brasileira, referindo-se às principais religiões do país e suas especificidades.