Espanhol de origem, mas com o mundo como missão, como aquele que escreve com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, Don Luis Arroyo pinta uma história primorosa das paixões nas ciências criminais. “As Três Paixões”, quase um relato sobre si, narra a “consciência das paixões” que vai caprichosamente se acumulando na história das ciências criminais, reconciliando seu curso de vida juntamente com um indiscreto convite às próximas gerações para o acerto de contas com suas paixões.
É bem provável que não tenha havido outro momento na história recente no qual estivéssemos tão carentes de paixões. O esgotamento moral dos afetos desmobiliza o humano no sistema de justiça criminal em nome do “indivíduo autônomo e universal”. Quanto mais devoramos os livros da estante, mais se vêem o violento controle racional de uma consciência sensível, a neutralização das formas jurídicas e a reprodução de um “direito penal da desigualdade oficial”. E tudo isso acompanhado da ostentação dos pergaminhos acadêmicos e do assalto às instâncias de poder, que manipulam as paixões das ciências criminais e nos vitimiza, mais ou menos seletivamente, a todos.
Ao menos em sua feição moderna, parece que tudo começou com uma paixão pela humanidade e o libelo da metafísica contra o uso arbitrário do controle social e a moral teológica de que estão impregnadas as codificações. Como se fosse pouco arrostar as leis divinas e o Estado Absolutista, Beccaria serviu como um secretário das ideias iluministas e de bússola para o enfrentamento das tendências anti-iluministas, que tendem a marcar as próximas décadas com a reposição histórica de movimentos xenófobos e a ascensão da regressividade político-ideológica de certas posições neopentecostais. Ou das dinâmicas autoritárias que ainda habitam nosso cotidiano e se valem da fragilidade dos ordenamentos domésticos para a prática sistemática de atrocidades e violações a direitos humanos.
Eduardo Saad-Diniz