Aurora seria, em princípio, uma breve série de poemas que acompanharia uma edição de artista de Gonçalo Ivo, filho do poeta, a quem este a encomendara. Apesar disso, a série, que continha inicialmente menos de dez poemas, foi crescendo poema a poema. Após fazer-me chegar o primeiro conjunto, Lêdo me foi enviando os novos poemas, à medida que os ia escrevendo (‘A musa não quer deixar-me em paz’, dizia-me), e eu os fui traduzindo no mesmo ritmo. Como sempre imaginou que Aurora saísse antes na Espanha (tal qual ocorrera com Mormaço), e que Editorial Pre-Textos o publicasse, coube-me ordenar o livro; sua única indicação a esse respeito foi que ‘Aurora’ o abrisse e ‘Serenata’ o encerrasse. Cada novo poema se acompanhava sempre do mesmo comentário: ‘Bote aí mais esse, no meio’. Sua última indicação, há dois meses, foi o acréscimo da citação de Góngora. Embora publicado postumamente, o livro se encontra exatamente como seu autor o deixou pronto para impressão, com os poemas na ordem por ele aprovada. A última vez que nos vimos em Madrid, apenas dois dias antes de seu falecimento, Lêdo Ivo me contou que havia escrito uns dez outros poemas. Eu lhe perguntei se queria incluí-los em Aurora, e se bem que tenha hesitado – um pouco de insistência talvez tivesse sido suficiente para que concordasse com isso –, acredito que seu desejo era que eles fossem o começo de um novo livro. ‘São mais irônicos, distantes’, foi a única coisa que me disse. Ficou de enviá-los para mim, mas não houve tempo de fazê-lo. Entreteve-se em Sevilha comendo peixe e bebendo alvarinho.