Ainda fresco no caixão, Machado de Assis põe-se a escrever o relato de sua vida, partindo do enterro que acaba de concluir-se e chegando até o seu próprio nascimento. A partir dessa perspectiva comum à das Memórias póstumas de Brás Cubas, Milton Coutinho constrói um romance insólito, narrado de trás pra frente, dando voz a um Bruxo do Cosme Velho ficcional, que compartilha com o nosso maior autor não apenas os dados anagráficos e a obra, mas também supostos medos, crueldades e segredos inconfessáveis. Com este segundo volume de sua Trilogia Brasileira, Coutinho dá seguimento a um amplo afresco histórico e literário do Brasil em seus dois séculos de existência como nação independente, iniciado no romance anterior – No domínio de Suã. Desta vez, o foco se desloca para o século XIX, transfigurando em ficção fatos e personagens marcantes do Segundo Reinado e das duas primeiras décadas da República. “Romance de deformação” por excelência, esta Autobiografia póstuma de Machado de Assis não se limita a desconstruir a figura do escritor e a sua obra. Vai muito além, descosturando os fios que tecem o próprio romance contemporâneo e entregando ao leitor um labirinto de páginas permeadas de jogos e referências literárias, onde os fatos se perdem e terminam por confundir-se inextricavelmente com a ficção. E, no final das contas, a ficção talvez revele a realidade secreta dos fatos