Os sentidos na~o sa~o diviso~es estanques, de paredes grossas, sem portas. Na verdade, os sentidos na~o te^m sequer paredes a separa´-los. O u´nico lugar onde surgem divididos e´ na linguagem e, se o fazemos, e´ por preguic¸a anali´tica.
Quando se sente o paladar de um prato, e´ evidente que o olfacto faz parte desse instante e os olhos, claro, tambe´m comem. Este cruzamento de sentidos esta´ em tudo, faz parte da pro´pria experie^ncia de se ser humano. A mu´sica, aparentemente um espac¸o sonoro, tem uma dimensa~o visual imprescindi´vel. E nem e´ necessa´rio argumentar com o enorme investimento que todas as boas bandas fazem nessa a´rea (mesmo quando se trata de uma neglige^ncia estudada, um penteado despenteado com todo o cuidado). Aquilo que sabemos da mu´sica e, por conseque^ncia, daquele que a criou ou interpreta, entra pela mu´sica adentro.
Se possi´vel, fixamos os olhos de quem nos canta para lhe avaliarmos a sinceridade. Tambe´m a comunicac¸a~o na~o e´ compartimentada, e´ uma so´, feita de estar e de ser. Mas nada disto e´ segredo para quem ja´ esteve num palco diante de cinquenta ou de cinquenta mil.
Com freque^ncia, ao longo de anos, o olhar de Rita Carmo sustentou o olhar de muitos. As imagens que se seguem contam essa histo´ria, paralela a muita cumplicidade evidente, amizade, gente contempora^nea a partilhar um mesmo tempo e um mesmo espac¸o, este pai´s. Talvez uma das histo´rias possi´veis da mu´sica portuguesa.
Em si, cada imagem e´ uma histo´ria. Essa e´ a natureza de estarmos vivos num determinado instante. Ha´ o passado que levou cada indivi´duo ate´ ali e ha´ a enorme promessa de futuro que, naquele ponto, raramente e´ considerada na sua totalidade. No´s, com tempo, exteriores, espectadores, temos essa vantagem reflexiva.
A fotografia, ja´ se sabe, e´ um instante. Mas o mundo existe inteiro em todos os momentos. Os grandes foto´grafos sa~o capazes de conter toda a complexidade desse instante numa imagem. Parece um milagre, mas e´ simples e natural. As fotografias que se seguem tambe´m sa~o para ouvir. Esta~o cheias de mu´sica.
Jose´ Lui´s Peixoto, Outubro 2013