Já disse alguém que a vida em família pode ser tão benéfica para o indivíduo quanto a vida em uma gaiola é benéfica para um papagaio. A despeito da segurança e do apoio que proporciona, a vida entre familiares desgasta, enfraquece e limita.
O tipo de dano que a família pode provocar em seus membros é quase sempre inconsciente e difícil de identificar, porque é perpetrado em nome do amor, da união, das boas intenções.
Em seu belo romance, Breu, Mário Araújo conta a história de uma família que busca “proteção contra a fúria da natureza”. A natureza, no caso, é o dano auto infligido, a tendência à autodestruição.
O que une os membros dessa família, mais que os laços de sangue, são a experiência da perda e os mortos que compartilham, num legado de tragédia e decadência passado de pai para filho. Ou, como diz Mário Araújo sobre as mulheres da família: “gerações que se sucediam dando origem a pássaros de voo cada vez mais curtos”.
São essas mulheres que revelam a história da família: Úrsula, Edna, Inácia, Marli e Aline, filhas de uma mesma linhagem, que dividem as mesmas casas e desfilam um rosário de perdas, num itinerário geográfico-emocional que parte do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina para desembocar em Curitiba, cidade em que vizinho não tem obrigação de cumprimentar vizinho, e em cujo clima leviano nunca se pode confiar.
Amor, inveja, ciúmes, mágoa: tudo isso distorce a objetividade das decisões familiares. Em Breu isso se torna claro nos diferentes momentos históricos em que os personagens aparecem. Mas existe redenção para a tragédia familiar: basta que se capte o significado da queda, basta que se aprenda a lição que cada tragédia traz.
Aprender com os erros de uma família, em um diálogo de gerações. Se o destino trágico é inelutável, o importante são as lições que você tirará dele. É isso o que propõe Mário Araújo, contista vencedor do Prêmio Jabuti, neste excelente e sensível romance.