“Onde quer que haja um vestígio do Estado Islâmico, existe uma vergonha.” De Mossul ao campo de refugiados de al Jaddah, Francesca Mannocchi percorre o labirinto de relatos com que compõe o cenário árido do pós-guerra iraquiano. “Uma pessoa que é obrigada a viver em um espaço imóvel não é imóvel; cresce na vertical, cresce em profundidade. Deixa germinarem as sementes das pulsões violentas. Busca uma razão e uma vingança.” Há neste mundo uma defesa da ambiguidade, da impossibilidade de afirmar: não há heróis ou vilões, não há soluções definitivas.
Nós dividimos de modo muito claro carrascos e vítimas, humano e desumano, Ocidente e caos; aliviamos nossa consciência com narrativas simplistas, nas quais o Estado Islâmico é um monstro desconhecido que precisa ser aniquilado, e as terras sobre as quais criou raízes são apenas terras arruinadas abandonadas ao seu destino. No entanto, olhando mais de perto, descobrimos o quanto de irresistivelmente humano sobrou ali onde pensamos não haver necessidade de olhar mais nada.
Não há um só retrato em Cada um carregue sua culpa que não nos afete: as mulheres viúvas de milicianos prontas para serem mães de outros mártires, os filhos dos carrascos do EI ao lado dos filhos das vítimas do EI no mesmo campo de refugiados; os juveníssimos órfãos do Califado que esperavam ser imolados em um atentado e agora, sem uma perna, miram o vazio; os adolescentes terroristas que se parecem com rapazes de qualquer periferia do planeta. Arqueóloga do presente, Mannocchi dá voz aos sobreviventes e aos carnífices, num contexto em que cada libertação é o começo da próxima guerra, e quem cada vítima é também algoz.