"Cada um morre por si", romance de Hans Fallada (1893-1947) editado pela CARAMBAIA, começa em Berlim, num dia de junho de 1940. No mesmo prédio em que alguns moradores comemoram a capitulação da França frente à Alemanha nazista, o casal Anna e Otto Quangel recebe a comunicação da morte de seu filho na guerra. É o momento em que os Quangel, até então trabalhadores apolíticos, concentrados em suas obrigações diárias, começam a enxergar as mentiras e o alcance dos tentáculos do regime, que os obriga a viver com medo. Conscientes de sua quase insignificância social, Anna e Otto se empenham num plano de oposição em pequena escala: espalhar pela cidade cartões-postais com mensagens de desnudamento da máquina nazista. Hans Fallada conduz o romance como uma trama policial em que a Gestapo se desdobra na busca pelos autores do ato de subversão, recorrendo a crimes, acusações fabricadas e ao auxílio de malandros e golpistas.
O enredo se baseia na história real de Otto e Elise Hampel. Fallada recebeu em 1946 das mãos de um amigo a sugestão de escrever um romance sobre o caso, acompanhada de cópias dos arquivos da Gestapo relativos ao casal Hampel. A ideia era estimular autores que haviam permanecido na Alemanha durante o nazismo (1933-1945) a escrever sobre o período. Fallada, com a saúde debilitada por décadas de consumo de morfina e álcool, produziu 800 laudas em 24 dias enquanto estava internado numa clínica depois de sofrer um colapso nervoso. Ele morreria em fevereiro de 1947, provavelmente de overdose, sem ver o livro publicado.
Embora tenha tido uma vida tumultuada, com prisões, internações, dois casamentos conflituosos e um vício em drogas que se estendeu por décadas, Fallada conseguiu produzir uma obra vasta e muito bem recebida dentro e fora de seu país – uma situação de evidência que lhe trouxe alternadamente perseguição e aproximação por parte do governo. O fato de ter ficado na Alemanha provocou críticas de outros escritores. Os que não se exilaram eram acusados de concessões e comprometimento. Thomas Mann chegou a dizer que tudo o que se publicou na Alemanha no período nazista “fede a sangue e vergonha” e deveria ser esquecido.
Por essa ou outras razões, a obra de Fallada caiu em quase esquecimento internacional nas últimas décadas do século XX, até que, em 2009, a publicação de "Cada um morre por si" nos Estados Unidos, França e Reino Unido transformou o romance em fenômeno de vendas. Em 2016, o livro foi adaptado para o cinema sob o título "Morrer em Berlim", com Emma Thompson e Daniel Brühl. Em 2018, a Deutsche Welle incluiu "Cada um morre por si" na lista de cem livros “obrigatórios” escritos em língua alemã e lançados entre 1900 e 2016.
Hans Fallada era o pseudônimo de Rudolf Wilhelm Friedrich Ditzen, nascido em Greifswald, nordeste da Alemanha. O nome literário foi tirado de dois contos de fadas dos irmãos Grimm: "Hans, o felizardo" e "A guardadora de gansos". Neste, um cavalo chamado Falada (com só uma letra ele), é morto e decapitado pelo rei e tem a cabeça espetada num portão, mas continua conversando com sua dona, uma princesa. Aos 16 anos, o futuro escritor sofreu um acidente com uma carroça e um ano depois contraiu febre tifoide – dois acontecimentos que teriam consequências em seu temperamento e provocaram o vício em morfina. Depois de várias tentativas de suicídio, marcou um duelo com um amigo e o matou (tudo indica que acidentalmente), tentando em seguida se suicidar com um tiro, sem conseguir. Foi absolvido na Justiça por insanidade e internado num hospital psiquiátrico, onde começou a escrever o primeiro romance, "O jovem Goedeschal", autobiográfico como muitas de suas obras. Enquanto trabalhava em empresas agrícolas e tentava se estabelecer como escritor, foi preso duas vezes por desfalques cometidos para comprar morfina.
Fallada ganhou reconhecimento mundial com a publicação, em 1931, de "E agora, pequeno homem?", sobre um jovem casal procurando emprego durante a Grande Depressão em Berlim. Na época, o escritor era o expoente do movimento artístico Nova Objetividade, escola cuja influência ainda se encontra em "Cada um morre por si", na linguagem direta, ágil e plena de coloquialismo, reproduzida na tradução de Sonali Bertuol, autora também do posfácio da edição da CARAMBAIA.
No final dos anos 1930, Fallada foi cortejado pelo ministro da Propaganda, Joseph Goebells, para que escrevesse um romance sobre dois judeus que especulavam na bolsa de valores. Ele nunca entregou a “encomenda”, mas aceitou um trabalho de repórter oficial nos países ocupados pela Alemanha. Durante o período da guerra, o escritor dedicou-se principalmente a histórias infantis. Em 1944, escreveu "O bêbado", inspirado em sua dependência química e publicado postumamente.
O projeto gráfico sem cor da edição da CARAMBAIA foi elaborado pelo Estúdio Grade e se inspira na advertência de Fallada de que seu romance é um livro sombrio. A capa e as páginas de divisão interna trazem letras e números em fonte tipográfica