Pode parecer improvável que um historiador descubra atitudes de tolerância religiosa na Espanha, em Portugal e em suas colônias ultramarinas dos séculos XVI ao XVIII, quando a Inquisição moderna procurava garantir por meios brutais a manutenção da ortodoxia católica. Pois é exatamente o que faz Stuart B. Schwartz neste livro. Ancorado em imenso corpo documental - garimpado sobretudo nos arquivos inquisitoriais -, o historiador investiga, e defende, a ideia de que o pensamento e comportamentos tolerantes floresceram no mundo luso-hispânico. Ainda mais surpreendente, seu foco não é a elite culta ou o trabalho de paladinos da tolerância; antes, se debruça sobre as "pessoas comuns", revelando um universo em que uma longa tradição de transigência, o bom senso ou a simples indiferença promoveram e possibilitaram a convivência de múltiplas crenças.
É claro que o autor não nega a perseguição às bruxas europeias ou aos conversos no mundo ibérico, as guerras de religião ou a rede institucional encarregada de castigar os desvios da fé. Mas não é esse o foco do livro: adotando a perspectiva de síntese que lhe é característica, mas apegado à descrição necessária a uma boa história antropológica, Schwartz conduz o leitor a uma viagem extraordinária pelos conventículos de judaizantes e mouriscos no mundo ibérico, buscando não seu isolamento, mas suas conexões com o universo dos católicos. O percurso continua pelos domínios americanos de Espanha e Portugal, periferia do mundo onde as "leis religiosas" se multiplicavam, resultado da diversidade de povos e da intensidade das mesclas típicas da colonização.
O livro esvazia, enfim, os clichês adotados por muitos historiadores, ao sublinhar as dúvidas e dilemas identitários mais do que o oficialismo dogmático das religiões. Acima de tudo, legitima a religião como campo de estudo relativamente autônomo, ao reconhecer a importância que a salvação da alma possuía para os indivíduos.