Um trabalho de erudição – assim pode-se definir Calidoscópio, obra de Ruth Guimarães sobre a figura universal do pícaro que, em terras brasileiras, é conhecido como Pedro Malasartes. Durante mais de 30 anos, Ruth recolheu a tradição oral junto a pessoas simples, do povo da roça e das cidades pequenas. Depois, tratou de fundamentar o trabalho com base em tudo o que aprendeu com Mário de Andrade, de técnicas de pesquisa folclórica, acrescentando notas de erudição. O resultado é este magnífico levantamento desse personagem macunaímico – de certa forma de caráter universal – que é o nosso Pedro Malasartes.
Quem nos conta o processo de criação do livro é Joaquim Botelho, filho de Ruth, na apresentação desta segunda edição. E aproveita para relembrar as palavras de Antonio Candido: “a sua produção [de Ruth Guimarães] se destaca pela coerência, pela inclinação constante no rumo da cultura popular, seja tratada como estudo, seja infiltrada como objeto de ficção. Basta lembrar aquele livro de estreia [Água Funda] e o posterior [Os Filhos do Medo]. No terreno da investigação, o coroamento desse pendor talvez seja o livro erudito sobre Pedro Malasarte, o herói folclórico que ela abordou no enquadramento multicultural do tipo-matriz, o “trickster”.
Dividido em três partes, Calidoscópio nos conduz pela jornada da tradição oral que gradativamente faz do Pedro Malasartes caboclo, comum entre nós, uma figura mítica, que anda pela Terra junto a Nosso Senhor, vai ao Céu, possui objetos mágicos, vinga os humildes, torna-se herói. O projeto gráfico da nova edição destaca as histórias que são reproduzidas a partir da tradição oral, e as diferencia dos textos elaborados por Ruth para contextualizar, comentar e analisar as narrativas. Nestes trechos Ruth resgata as semelhanças de Pedro Malasartes com o espanhol Pedro Urdemales, o alemão Til Ulenspiegel, o francês Mâchepied, o romeno Pacala, e o russo Nicolauzinho, entre outros.