O estudos sobre a época colonial no Brasil têm destacado o papel preponderante que teve a escravidão na construção e no desenvolvimento de uma economia caracterizada, segundo a tradição, pela monocultura de exportação e pela auto-suficiência das grandes unidades produtoras e de uma sociedade definida pela dominação social e política exercida pelos grandes proprietários de terras e de escravos sobre a população livre do interior. Nessas condições, os espaços socioeconômicos do que poderia ter sido um segmento camponês teriam sido reduzidos e insignificantes, a ponto de inibir, por ser desnecessário, o nascimento desse tipo de comunidade. Centrado na região leste da Capitania Geral de Pernambuco, este estudo adota uma perspectiva diferente e mostra como se deu, durante o século XVIII, a emergência de um setor camponês composto por agricultores livres e pobres. Inicialmente articulado em torno da cultura clandestina do tabaco para os mercados africanos de escravos e da mandioca para o abastecimento urbano e das linhas de comércio interatlântico, e, posteriormente, durante o último quarto do século XVIII, baseado na produção de algodão para os mercados de Manchester e Liverpool, o grupo de camponeses do Nordeste oriental cresce e expande-se nos espaços que a crise do sistema escravista deixava demograficamente vazios e economicamente improdutivos, até virar, na Revolução Industrial, o principal elo que articula a região ao mercado mundial, bem como uma força laboral capaz de substituir a escravidão e iniciar a transição para o trabalho livre, o que, no entanto, só aconteceria cem anos depois. Esta obra estuda e analisa o nascimento desse segmento camponês, sua expansão e sua luta contra as plantações escravistas, suas complexas relações com o Estado colonial e seu enfraquecimento e subordinação final pela ação de um conjunto de medidas repressivas posta em prática pelo governo português. Elaboradas no contexto da reativação do mercado internacional do açúcar e das políticas contra-reformistas nascidas do terror surgido a partir da revolução Francesa, essas medidas consolidariam as plantações e a escravidão no papel central da história econômica e social da região no século XIX, e, ao desarticular a economia dos agricultores livres e pobres, preparariam o caminho da sua metamorfose de produtores autônomos em trabalhadores "livres" das grandes unidades agroexportadoras, convertidas, agora sim, nas formas paradigmáticas de produção e de controle social do Nordeste oriental.