Girar de mãos dadas a outros em torno de um espaço vazio, embalado por canções cujos sentidos se mantêm atados aos sons que as modelam e modulam, é imemorialmente uma das formas de transmitir à infância o futuro com o qual ela deverá consentir. Aos pés desse tempo em projeção, do qual cada anoitecer precipita tanto nova aurora quanto o fim a todos comum, encontram-se os polos dos poemas aqui reunidos: o socorro do verbo e a conclusão da matéria humana. Não nos deixemos, contudo, iludir pela qualificação atribuída a eles pelo poeta. Posto que incontornáveis em qualquer etapa da vida, infantis são antes o contínuo silêncio entre as palavras e o erotismo inerente à conquista da própria língua em seu insolúvel destino de nos singularizar no convívio com os demais. Dedicados às suas duas netas, os poemas de Canções de roda nos pés da noite são mais uma circunvolução de Nauro Machado em face da separação ou mesmo divisão e fratura irreconciliável entre o biográfico e o poético. Ao traduzir para gerações seguintes, em modo e termos diferidos, o âmago de seus embates com a impossibilidade de unir-se não ao historiar da existência, e sim ao seu passamento, "com as mesmas horas/ continuando a vida", eles retomam lírica e melodiosamente a cartografia de sua obra, fincados nas propriedades que a distinguem. Acompanham o conjunto de versos duas dúzias de fotografias tiradas por Márcio Vasconcelos em lugares seguidamente visitados pelo poeta em suas andanças no Centro Histórico de São Luís. No livro, tal rastro imagético se origina nas águas informes do mar para, escorado em pedras e signos urbanos, desembocar em construções e abrigos diuturnos, de onde ressurge alegoricamente, numa de suas conhecidas metáforas, a própria escrita. Em partilha póstuma, o fotógrafo, mais do que documentar a gramática conjugada pelo poeta, toma de empréstimo em suas imagens a força enigmática dos sons que ouvia este dizer na recorrência de seu trajeto citadino, impulsionando o leitor a um passeio visualmente afetivo por instantâneos desprovidos de significações privativas. Com isso, ajuda a ressoar a inalterável dicção que se pode, outra vez, fazer ouvir na poesia de Nauro Machado por toda leitura desencantada de princípios entrevistos e, por isso, excludentes.