Cantares é um volume que reúne dois livros de Carlos Roberto da Silva: Profanação e Canções. Mas não se trata de uma reunião aleatória. As duas coletâneas mantêm profundos diálogos entre si, quase como se uma fosse a extensão da outra. Profanação, de caráter lírico e erótico, apresenta uma arquitetura simétrica irretocável nas suas partes. Da primeira seção à última, o eu lírico, num caminho que percorre infinitas possibilidades humanas, inicia-se no espaço do profano para chegar à sublimidade do sagrado, sem que a natureza de um exclua a natureza do outro, sem que fronteiras separem as duas dimensões. É um livro em que o erotismo se mistura à própria construção da arte: tecer a poesia, tecer o desenho, tecer o corpo, sacralizar a arte e o próprio erotismo, em linguagem que mistura religião e pulsão amorosa, sagrado e profano, corpo e arte, matéria e abstração. Em meio a semelhante fusão de naturezas, não é possível dizer que o sagrado é mais sagrado que o profano, porque este também é motivação espiritual dentro da obra. A sugestão que o poeta nos deixa é de absoluta integridade, coesão, unidade de temas e de tonalidades. São 49 poemas distribuídos de forma simétrica, em que arte, desejo, espiritualidade, profanação e elevação são faces de uma mesma substância, de uma mesma integralidade humana. E se algum poema saísse do lugar, a harmonia ficaria totalmente comprometida. As Canções, por sua vez, a exemplo do primeiro livro, também apresentam partes de um todo construído como arquitetura acabada e perfeita: as “idílicas”, as “eróticas” e as “nostálgicas” mantêm a tonalidade da Profanação, na busca saborosa entre o sagrado e o profano, mas inauguram elementos poéticos novos, como a procura do erotismo por meio da natureza, do silêncio e da contemplação, misturando sentidos distintos na expressão sublime do prazer (música, imagens, sons, aromas e sabores), deixando aqui e ali a expressão enternecedora da perda amorosa. No todo, Cantares é um livro que se deve degustar por inteiro, porque, na sua essência, para além da conquista poética que identifica e une nossas diferentes identidades, é também um ato político que estampa a nosso tempo o fato de que somos feitos de matérias distintas, e nenhuma delas será maior do que a outra.
Luís André Nepomuceno