A injunção paradoxal impõe ao indivíduo dilemas insolúveis ao lhe exigir objetivos incompatíveis: produzir cada vez mais, com menos recursos, ter espírito de equipe em um sistema hipercompetitivo no qual a avaliação do trabalho é individualizada etc. A passagem para o capitalismo financeiro exacerba essa lógica paradoxal e a propaga nas organizações privadas e públicas.
Vincent de Gaulejac e Fabienne Hanique trazem à tona as origens desse fenômeno, na confluência da revolução gerencialista, da revolução digital e da financeirização da economia. A partir de pesquisas realizadas em diversas empresas, os autores analisam a dificuldade de se viver em um sistema paradoxal com efeitos
devastadores na saúde mental dos trabalhadores (estresse, burnout, depressão).
O diagnóstico das estratégias de defensiva empregadas pelos funcionários é preocupante: a adaptação bem-sucedida (que reduz o sofrimento) também contribui para a manutenção do sistema ao anestesiar a resistência. Finalmente, são oferecidas vias de resistência que oferecem maneiras de combater esse sistema adoecedor.
Vincent de Gaulejac e Fabienne Hanique mostram, por meio de análises clínicas e críticas, que a exacerbação dos efeitos do capitalismo paradoxante tem provocado o aumento da quantidade e da gravidade de processos de adoecimento em todo o mundo. Essas análises são preciosas não apenas porque nos oferecem chaves de compreensão de nossas sociedades, mas também porque nos ajudam a cernir contradições, antagonismos, conflitos dificilmente nomeados uma vez que estão emaranhados na vida comum, nas relações de trabalho, sociais e afetivas.
O leitor encontrará neste livro ecos dessas experiências íntimas e poderá apreender diferentes dimensões (política, econômica, social, psíquica) nelas imbricadas. Tal distanciamento torna possível pensar sobre perda de sentido, incoerências, mal-estares vividos.
Esta é a premissa da Sociologia Clínica: articular a teoria à experiência do sujeito em situação social. Os efeitos do
capitalismo paradoxante são evidenciados sem que a análise caia em um realismo fatalista; desse pensamento rigoroso, emerge a atividade reflexiva como um modo de resistência, defesa e esperança, nos encorajando a enfrentar as mutações do nosso tempo.
Ana Massa — Doutorado em Sociologia Clínica pela Universidade de Paris e em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense. Pós-doutorado pela ENSP-Fiocruz. Professora convidada da Fundação Dom Cabral e da ENSP-Fiocruz
SUMÁRIO
Prefácio à edição brasileira
Um paradoxo chamado Brasil, Cathana Freitas de Oliveira, Matheus Viana Braz, Marcia Bandini & Sergio Roberto de Lucca
Introdução: Em direção a uma sociedade paradoxante?
1. PRINCÍPIO DE UMA NOVA ORDEM PARADOXANTE: A CRIAÇÃO DESTRUTIVA
1.1. A exacerbação das contradições na sociedade hipermoderna
1.2. As organizações frente ao risco do caos
1.3. Conflitos de valor
1.4. Podemos falar de ordem paradoxante?
2. A REVOLUÇÃO DIGITAL
2.1. Uma nova sociedade digital
2.2. Uma mutação acelerada
2.3. O celular e o laptop: duas próteses existenciais
2.4. “Graças às NTIC, você é livre para trabalhar 24 horas por dia”
2.5. Controles e dependências
2.6. O Homo Virtualis: alone together
2.7. Uma nova fratura social
2.8. Don’t be evil
3. A FINANCEIRIZAÇÃO DAS SOCIEDADES HIPERMODERNAS
3.1. A dominação da lógica financeira
3.2. O poder invisível da normatividade financeira
3.3. “Para mim, é o dinheiro que trabalha”
3.4. A criação de valor a serviço das finanças
4. A FABRICAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES PARADOXANTES
4.1. De um capitalismo a outro: a abstração do poder
4.2. “A direção declina de toda responsabilidade”
4.3. A emancipação das organizações em relação à sociedade
4.4. Empresas públicas: a fascinação do privado
4.5. O papel das multinacionais de consultoria na produção de organizações paradoxantes
4.6. A atividade concreta do consultor
4.7. “É como se você fosse recompensado por não fazer corretamente seu trabalho”
4.8. O consultor, produto e produtor da organização paradoxante
4.9. A ocultação dos conflitos de interesse
5. A REVOLUÇÃO GERENCIALISTA: HISTÓRIA DE UMA PERVERSÃO CONCEITUAL
5.1. Figuras ilustrativas da revolução gerencialista
5.2. A transformação das contradições em paradoxos
5.3. Desejo de controle, controle do desejo, desejo sob controle
5.4. A fragmentação do poder entre prescrição, organização e poder de agir
6. A FALSA NEUTRALIDADE DOS INSTRUMENTOS DE GESTÃO
6.1. Alguns instrumentos emblemáticos do novo gerencialismo
6.2. Os instrumentos… verdadeiramente a serviço do homem?
7. PENSAMENTO BINÁRIO E PRINCÍPIO DA NÃO CONTRADIÇÃO
7.1. A lógica binária, produto e produtora da complexidade
7.2. O princípio da não contradição como paradigma das ciências do comportamento e da gestão
7.3. Analisar as contradições para resolver os conflitos
7.4. A organização é uma construção social
7.5. O paradoxo, nova figura da razão humana
8. QUANTO MAIS TEMPO SE GANHA, MENOS TEMPO SE TEM
8.1. “Você pode multiplicar por três ou quat