'Um carro de bois que transportava logos' mostra a versatilidade da literatura. Para começar, a obra exala a natureza em suas páginas. Aqui estão o pio do inhambu, o orvalho das manhãs, o vento morno do verão, os peixes famintos à superfície da lagoa, o rio traiçoeiro, o céu escancarado de estrelas. Em cada página sobressai o mundo intocado: cheiro de mato, rastro de feras, água límpida, bandos de pássaros, a "insistência duradoura do arco-íris". A cor local, em suma. O livro também mergulha nouniverso humano do sertão mineiro, o mesmo sertão que Guimarães Rosa percorreu, recupera tipos, festas, comidas, superstições, tabus, costumes. E palavras adormecidas. Alguém sabe ou se lembra do significado de soga, tamoeiro, fueiro, traquitana, cheda? Assistimos, em detalhe, aos ofícios e aos dias. A vida na fazenda é destrinçada: moer fubá, peneirar café, montar em burro, tirar leite, bater feijão. A minúcia transforma-se em resgate antropológico. O passado volta à memória. A memória, aliás,é o fio condutor da narrativa. Newton Emediato Filho transporta seu logos a esse mundo em extinção e descreve-o com singeleza, numa linguagem acessível a todos. Os personagens, impregnados de rusticidade, refletem essa terra inaugural, mas não são ingênuos. Mmamaú, Meleão, Gugulim, Pilão, seu Esteves, dona Ester, Zé do Buteco possuem o toque da universalidade. Já disseram que Minas são muitas. A literatura também. 'Um carro de bois que transportava logos viaja por algumas delas'. Luíz Giffoni.