Se há uma insatisfação com a prática hegemônica da pesquisa científica e do fazer universitário, cabe perguntar: qual ciência e qual universidade são desejáveis para enfrentar a complexidade do mundo? Essas indagações sinalizam claramente na direção da reforma do pensamento e da universidade. As belas páginas escritas por Maria da Conceição de Almeida e Margarida Maria Knobbe abordam com coragem essas indagações, propugnando por uma ciência aberta e por uma universidade renovada. Fazem isso ao relatar uma bem-sucedida experiência de reforma da universidade e do pensamento, resultante do trabalho pioneiro desenvolvido pelo Grupo de Estudos da Complexidade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Grecom/UFRN). Não se trata aqui de uma reforma burocrática que vise abrir ou fechar departamentos ou setores da hierarquia administrativa, mas de uma reforma cujo foco são os dispositivos mentais enrijecidos, a ciência instrumental, o produtivismo estéril da política universitária, o cretinismo intelectual no sentido assinalado por Edgar Morin. Enfrentar tal desafio implica em construir uma ciência em novas bases; uma ciência que faça dialogar os saberes, não fragmentada, fundada em uma ética da solidariedade que rejeite todas as misérias, as desigualdades, a intolerância, as barbáries e fundamentalismos de toda ordem. Uma ciência com a suavidade da brisa das noites de verão e com o fragor das flores da primavera; com a beleza e o encantamento das marinhas de Pancetti, dos barcos pintados por Van Gogh, das bailarinas de Degas ou dos vaqueiros e quixotes de Newton Navarro. Uma ciência que sonha, mas, ao mesmo tempo, é capaz de se indignar com a crueldade e o sofrimento humanos – a guerra, a injustiça, a opressão – como a suscitada pela pintura de Goya, representando os horrores da guerra, a Guernica de Picasso ou as fotografias de Robert Capa e Sebastião Salgado. Uma ciência feita de bifurcações como sugere Ilya Prigogine, sem determinismos mecanicistas, sem regras inflexíveis. Escreve o poeta Horácio Paiva: “Como fixar regras para ações e desejos indomáveis”? Essa indignação deve resultar na ação, na politização da ciência orientada ao combate, sem trégua, da desumanização e a edificação de uma política civilizatória, fundamentada no exercício da cidadania, no fortalecimento da democracia e do espaço público. Como lócus privilegiado, mas não exclusivo, cabe à universidade uma responsabilidade basilar na constituição dessa scienza nuova.