O lançamento pretende contribuir com o debate iniciado pelo Movimento Passe Livre (MPL) - o MPL-SP participa da coletânea com um artigo -, ajudando a consolidar suas bases teóricas e práticas. Nesse sentido, Cidades rebeldes reúne o pensamento crítico independente para refletir os fatos recentes, em meio a uma disputa de interpretações das vozes rebeldes, que se estendeu inclusive às ruas. Raquel Rolnik, na apresentação do livro, pensa as manifestações 'como um terremoto que perturbou a ordem de um país que parecia viver uma espécie de vertigem benfazeja de prosperidade e paz, e fez emergir não uma, mas uma infinidade de agendas mal resolvidas, contradições e paradoxos'. Nesse sentido, os autores apontam várias agendas como o epicentro do terremoto. Para Ruy Braga, que analisa os operadores de telemarketing como um fenômeno expressivo do mercado de trabalho brasileiro na última década, as manifestações são revoltas de quem está empregado, mas não vê perspectivas para o futuro decorrentes desse trabalho. 'A satisfação trazida pela conquista do emprego formal e pelo incremento da escolarização choca-se com um mercado de trabalho em que 94% dos novos postos pagam até 1,5 salário-mínimo. Sem mencionar as precárias condições de vida nas periferias das cidades e a violência policial que persegue as famílias trabalhadoras, no intervalo de uns poucos anos pudemos constatar que a vitória individual transformou-se em um alarmante estado de frustração social', afirma o sociólogo.Nas palavras de Carlos Vainer (parafraseando Mao Tse Tung), 'uma fagulha pode incendiar uma pradaria' e, no caso brasileiro, essa fagulha foi a mobilização contra o aumento da tarifa nos transportes públicos convocada pelo Movimento Passe Livre (MPL), que afirma em sua contribuição à coletânea que a circulação livre e irrestrita é um componente essencial do direito à cidade que as catracas - expressão da lógica do transporte como circulação de valor - bloqueiam. João Alexandre Peschanski, compartilhando dessa visão, analisa a proposta da tarifa zero, sua apropriação possível pelo sistema capitalista e, ao mesmo tempo, seu potencial transformador da sociedade. Já Mike Davis analisa as origens da hegemonia dos utilitários no trânsito (cada vez mais parecidos com veículos de guerra, verdadeiros casulos de proteção) atribuída ao crescente medo da classe média a partir da década de 1990. 'Essa tendência irresistível aponta para uma militarização das rodovias conduzida pelos utilitários, em sincronia com uma militarização e uma imobilização mais amplas do espaço urbano', aponta Davis.David Harvey teoriza sobre a liberdade da cidade que, segundo ele, é muito mais que um direito de acesso àquilo que já existe: é o direito de mudar a cidade de acordo com o desejo de nossos corações. 'A questão do tipo de cidade que desejamos é inseparável da questão do tipo de pessoa que desejamos nos tornar. A liberdade de fazer e refazer a nós mesmos e a nossas cidades dessa maneira é, sustento, um dos mais preciosos de todos os direitos humanos'. Nas ruas, o direito à mobilidade se entrelaçou fortemente com outras pautas e agendas constitutivas da questão urbana no Brasil, como o tema dos megaeventos e suas lógicas de gentrificação e limpeza social, tema analisado pela urbanista Ermínia Maricato. O texto de Silvia Viana aponta para uma diferença substantiva que se estabeleceu nas interpretações - e apresentações - das manifestações: a clivagem entre 'pacíficos' e 'baderneiros'. Como em outros snapshots da guerra de significados, a ocupação da cidade foi disputada por diferentes sentidos e ideologias. A tropa de choque, que no cotidiano executa pessoas sumariamente nas favelas e realiza despejos jogando bombas de gás nos moradores, entrou e saiu de cena ao longo das manifestações, lembrando que, no país próspero e feliz, a linguagem da violência ainda é parte importantíssima do léxico político. É também nesse sentido que o artigo de Felipe Brito e Pedro Rocha de Oliveira sobre o Rio de Janeiro demonstra a relação entre um projeto excludente de cidade e a militarização dos territórios populares. O jurista Jorge Luiz Souto Maior reflete sobre o direito social e a descriminalização dos movimentos sociais no esforço de superar a noção retrógrada de que a questão social trata-se de 'caso de polícia'. 'Ocorre que, adotando-se os pressupostos jurídicos atuais, os movimentos sociais, quando se mobilizam em atos políticos para lutar por direitos, não estão contrários à lei. Além disso, não podem ser impedidos de dizer que determinadas leis, sobretudo quando mal interpretadas e aplicadas, têm estado, historicamente, a serviço da criação e da manutenção da intensa desigualdade que existe em nosso país'.Desilusão/denúncia em relação à democracia e as formas de expressão pública? Na chamada agenda da 'crise de representação' novamente convergem pautas e leituras contraditórias. A questão da representação não envolve apenas a crise dos partidos e da política e, portanto, a necessi