Caro futuro leitor, não pense você que o que têm em mãos seja uma autobiografia qualquer e já explico o que quero dizer. Trata-se da narrativa de vida de uma brasileira que sempre esteve à dianteira de seu tempo, questionando, quebrando padrões culturais, sociais, familiares, pondo em xeque costumes estabelecidos e que, ao traçar sua trajetória, deixou seu legado de lutas e contribuições sociais e políticas para todos nós.
Paulista, nascida em 1941, já carregava o peso do nome da família tradicional burguesa que sempre questionou. Aos 18 anos ingressa no curso de Ciências Sociais da USP e casa-se. Três anos depois vem os 2 filhos. Sem demorar tanto vem o susto e o pesadelo do Golpe Militar de 1964. Com a luta armada vai treinar guerrilha em Cuba e volta ao Brasil Clandestina, num verdadeiro périplo passando por vários países, driblando a ditadura, tentando sobreviver e ajudar o movimento. Essa história está muito bem contada em O Tempo dos Cardos de Celso Horta. Com a anistia e no segundo casamento têm seu terceiro filho.
Poliglota, sempre leu muito, estudou muito, estimulou outras mulheres a fazerem o mesmo: formou grupos de estudos de mulheres nos anos 60, num momento em que nem participar das rodas de conversas com seus maridos nas festas era permitido; contribuiu com movimentos de moradias populares; participou da formação do Partido dos Trabalhadores (PT) nos anos 1980. Com esse olhar aguçado para as questões sociais, segue trabalhando com estudos e diagnósticos socioambientais.
Clandestina é um verdadeiro passeio pela história do Brasil, nossa história, onde em cada momento relatado de sua vida, Ana de Cerqueira Cesar Corbisier traz também a origem do que as futuras gerações herdariam de melhor, como a conquista da democracia e dos direitos sociais, muito caros para sua geração. Se hoje estamos aqui tendo a liberdade de expressão, de ir e vir e nos manifestar, podem ter certeza que foi devido a pessoas como ela.
Foi clandestina, mas nunca desistiu de lutar por sua pátria, cujo solo nem sempre foi gentil.
Que nos sirva de inspiração, e ajude a transformar (não importa o tamanho desta transformação) nossa realidade atual e futura.
E para quem teve o prazer de cruzar seu caminho (nós sabemos!), foi e sempre será um grande prazer convivê-la.