Que não se engane o leitor ao esperar aquilo que o título deste escrito promete — um efetivo comentário ao Banquete de Platão —, pois a verdade é que Ortega não o fez, e nada há aqui dito sobre o amor. Constam, nestas páginas, as notas que ele tomou para dar início ao curso que levaria esse nome, e que não chegou a ocorrer de fato. Mas que ninguém se engane, por outro lado, ao crer que esses apontamentos não servem como uma excelente introdução ao diálogo platônico e, na verdade, a qualquer um dos livros de Platão.
O grande filósofo espanhol versa, aqui, sobre o mistério que é o simples ato humano de ler, e sobre a própria natureza da linguagem, mostrando como consiste em muito mais que meras palavras, mas num dizer, numa fala, completada pelas modulações da voz, do gesto e da face, pela gesticulação dos membros e, enfim, pela atitude somática total da pessoa, que é resposta a uma circunstância específica — e então Ortega explica o que entende, precisamente, por essa célebre palavra.
Nada disso pode ser ignorado por quem pretenda ingressar na leitura de um texto de Platão, que não consiste na exposição lógica de sua doutrina, mas num drama, no diálogo entre personagens carregados de sentido e inseridos em sua circunstância própria: não há ali “meras palavras”, mas, de algum modo, pessoas que falam. E assim a obra de Platão torna-se, para Ortega, o exemplo máximo, e até escandaloso, da equivocidade de um livro, que só pode ser lido de fato servindo-se de uma verdadeira hermenêutica.