A potência transformadora da compaixão está diretamente ligada à desnaturalização do sofrimento. Como mostra Alexandre Cabral em 'Compaixão e revolta', sofrimento não é dor. Dores acontecem no tecido da vida dos seres que experimentam de alguma forma os contornos de sua finitude, ainda que seja somente através do desprazer e do medo. Sofrimento, contudo, é outra coisa. Levando em conta um referencial budista fenomenologicamente compreendido, Cabral mostra assinala que o sofrimento nunca é 'natural', razão pela qual é preciso respondê-lo à altura. Ora, não somente seres humanos sofrem. Os viventes em geral são passíveis de sofrimento, exatamente como pensou a tradição budista por meio da noção de seres sencientes. Por isso, ser interpelado pelo sofrimento é condição para que um conjunto de ações possa ser empreendido com vistas ao favorecimento do singular sofredor e da rede da existência, na qual os viventes existem. É a compaixão que permite não somente entrar em contado com a não naturalidade do sofrimento, como também rejeitar sua perpetuação. A revolta, por sua vez, é a postura aberta pela compaixão: em face do sofrimento iníquo, a revolta aparece como um modo estrutural de resistir à naturalização da iniquidade. Esse é o tema central do terceiro volume da coleção Afetos