A diversidade de comportamento dos seres humanos sempre foi um enigma. Todos os outros seres, existentes na natureza, apresentam comportamentos de espécie, repetitivos, limitados, com possibilidade quase nula de variações individuais. O homem é o único que, ao nascer, pode viver mil vidas diferentes. Qualquer um de nós poderia ser Mozart, qualquer um poderia ser Hitler. A criação de sinfonias e a perpetração de genocídios são possibilidades inscritas em nossa mais íntima constituição. As primeiras tentativas sistemáticas para compreender a nossa diversidade buscaram explicações no corpo dos indivíduos, no contexto da antropologia física. Sua culminância foi a construção do conceito de raças humanas, o mais importante e mais desastrado empreendimento das ciências sociais europeias no século XIX. Ecos desse desacerto nos assombram até hoje. A superação desse caminho, pela antropologia cultural, teve como ponto de partida a constatação de que o homem não apenas age, como os demais animais, mas interpreta a sua ação. Todas as ações humanas têm origem em alguma interpretação, e ao mesmo tempo são ações interpretadas. Compreender o comportamento humano exige compreender os sistemas de interpretação construídos pela imaginação do próprio homem, o que nos remete aos universos simbólicos, constitutivos da nossa existência tanto quanto os nossos corpos físicos. Objetos materiais, crenças e atitudes estão imersos nesses universos simbólicos que são transmitidos entre indivíduos, povose gerações por meios não biológicos. Cria-se assim uma ordem suprabiológica e extrassomática de coisas e fatos, que flui no espaço, de um grupo a outro, e no tempo, de uma época a outra. É o mundo humano por excelência, que precisa ser descrito e analisado a partir de seus próprios princípios e leis. Estamos falando de cultura, o conceito-chave da antropologia e uma das mais importantes aquisições conceituais das ciências sociais em todas as épocas.