Mário de Sá-Carneiro é um dos poetas do modernismo português, que, junto com Fernando Pessoa, protagonizou entre 1912 e 1915 o movimento do primeiro modernismo português. O grupo teve a revista Orpheu como veículo de expressão das idéias estéticas que alimentavam, e constitui o mais relevante grupo da cultura artística portuguesa do tempo. A presente peça literária de Sá-Carneiro é de 1914. Dois anos depois, ele suicidava-se em Paris, com apenas 26 anos, deixando obras inéditas e outras inacabadas. 'A Confissão de Lúcio' é uma narrativa em primeira pessoa, em que o protagonista, depois de cumprir uma pena de dez anos por um crime que não cometeu, faz extemporaneamente sua confissão. Apresenta no intróito as razões que o levaram a não se defender no momento oportuno da acusação. Não havia defesa para ele, sustenta, e a peça constitui o momento em que, cumprida a pena, exerce sua confissão livremente. . Sua confissão, no fim das contas, aparece não como o reconhecimento da autoria do crime como é de se supor na palavra "confissão", mas a revelação de que não o é. Na verdade, é a confissão de sua inocência. Curioso título: se não confessa o crime, por que chama sua narrativa de confissão, e não defesa? O que confessa então?Será que, apesar de se dizer inocente, sente alguma culpa? São questões que já de início envolvem o leitor e o intrigam. Percebe-se a genialidade de Sá-Carneiro revelada no uso preciso dos elementos expressivos na composição da trama. Se usa tal palavra, não é impunemente, nem arbitrariamente, nem ao acaso. No caso dessa peça, sugerem múltiplas significações de cunho psicológico. Com efeito, o desenrolar da narrativa vai revelando uma cadeia intricada de motivações psicológicas nos eventos em causa, e que na aparência dos fatos parecem não existir. O resultado é uma trama intrigante e uma valorosa peça de expressão da alma humana.