Assim como as agulhas de tricô que, ao se entrelaçarem umas sobre as ou – tras, constroem uma tessitura, a conceituação de corpo entretece modos de olhar, perceber e nomear que possibilita ou impede que um horizonte de experiências e de escuta do corpo se viabilize. Essa composição se dará não só pelo jogo das linhas entrelaçadas – aquilo que apreendemos e que compõe a trama significante que sustenta nosso experienciar, mas também pelos vazios – aquilo que, recalcado, ou ainda, não nascido, se inscreve como marca, ponto de concretude inassimilável. Nesse sentido, a conceituação de corpo se efetiva tangenciando os vazios e os recalques de cada cultura, bem como de cada prática e dos sujeitos nela envolvidos. Sabemos sobre os vazios que deles nasce o tropeço que permite a queda e com ela, a possibilidade do trânsito, condição para que os enlaçamentos se derivem em tecido. Arrisquemos um passo-tropeço/pas de sens… Trabalhemos esse risco/corte em que o corpo, longe de unidade, é costura de inacabamentos, é urdidura que contorna o vazio de uma “lembrança sem lembrança”. Interroguemo-nos sobre seus “fantasmas clandestinos”, sobre o nó do que se diz, do que não se diz e sobre o que se denega. Interroguemo-nos, sobretudo, sobre esse nó que é emaranhado de traços inassimiláveis, uma espécie de cicatriz que marca qualquer coisa impossível de ser traduzida e reconhecida a partir dos recursos que temos em mãos. A proposta desse livro, ao se interrogar sobre a poética da corporeidade tendo como operadores a pulsão e o vazio, não é a de se furtar a interpelar sobre os modos como determinada ordem do discurso na contemporaneidade nos implica como criadores em nossas salas de trabalho. Contudo, reside nele a aposta de formular essas questões também por uma via negativa: De que corpo não se fala? De que incidências corporais se foge? De qual corpo não se quer saber?