O Carlos antes de ser Drummond, ainda poeta estreante, o Cyro anterior a O amanuense Belmiro. O Carlos funcionário público, já poeta prolífico, pai, marido e crítico espirituoso. O Cyro memorialista, viajante e também não menos crítico. Intimidades, trajetórias muito particulares, as andanças profissionais e o lado menos óbvio e conhecido dos dois escritores são revelados agora – 25 anos após a morte de Drummond – em Cyro & Drummond – correspondência de Cyro dos Anjos e Carlos Drummond de Andrade, com organização, prefácio e notas de Wander Melo Miranda e Roberto Said, lançamento da Biblioteca Azul para a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) 2012, em que Drummond é o escritor homenageado.
A obra reúne documentos originais da Fundação Casa de Rui Barbosa e do Acervo de Escritores Mineiros, da Universidade Federal de Minas Gerais. Mostra cartas, bilhetes, postais e telegramas que expõem abertamente, como numa conversa de confidentes, as angústias dos escritores diante do destino incerto reservado aos que se arriscam à carreira literária em um país periférico, as estratégias e os percalços experimentados no serviço público. Por isso, não escapam as agitações políticas de um período pautado pelo acirramento do debate ideológico e das efervescências no Brasil e no mundo: Estado Novo, Segunda Grande Guerra, Modernismo. Suas vidas e suas cartas são atravessadas pelo fervor e, sobretudo, pelas incongruências de tempos revolucionários.
O livro deixa clara a intimidade de ambos, fato que permite que opinem sobre outros escritores como Guimarães Rosa, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos. Encontra-se em Drummond um leitor voraz, emitindo sem rodeios juízos de valor sobre o que se produzia a seu redor. Amparado no fio da confiança, traçado entre compadres, o poeta assume o papel de crítico ferino dos regionalistas, estabelecendo as linhas divisórias de suas preferências e, sobretudo, de suas antipatias literárias. Porém, também nesse terreno, a reflexão artística e metalinguística parece dar ensejo ao debate político, afinal, como desabafa Drummond: “Nascemos todos incapazes para a política, mas fadados a sofrer no lombo suas transformações.”
Nos textos, aparecem também as inquietações típicas de uma geração rural, que se casou cedo, mas que passou a vida em um contexto urbano de progressiva abertura e liberdade. Não apenas os projetos e impasses pessoais, mas da literatura de ambos, aquela produzida na esteira dos diversos modernismos brasileiros em meados do século 20. E é precisamente nesse campo que a publicação das cartas faz sentido para além do simples voyerismo.