Centro de um texto sem centro, núcleo da escrita móvel de Benjamin, Berlim abre-se ao leitor dessa Crônica como um dia teria se aberto, cheia de mistérios, fulgurações e fantasmagorias, aos olhos e aos ouvidos da criança que passeou pelas suas ruas. As imagens deslocadas, os sons mais insignificantes são recuperados no texto, que se volta quase sempre para cenas da vida comum. São nelas, nessas cenas – nas visitas à casa da avó, nas manhãs de compras, na frequentação dos parques e do Zoo, na rotina e na arquitetura interior dos cafés – que o espaço se revela de fato. A cidade é como um organismo vivo – como a própria memória: cresce e modifica-se permanentemente, desfigura-se. Também pode, em certo sentido, desaparecer. A cidade-livro, que se deixa ler e que demanda ser escrita continuamente. Walter Benjamin nunca terminou esta Crônica de Berlim. Ele passou boa parte da última década de sua vida, de um modo ou de outro, envolvido com o texto. Ecos e ricochetes dele podem ser encontrados em diferentes projetos da época – nos anos anteriores (como em Rua de mão única) e nos seguintes (em diversos ensaios, nas Denkbilder, mas sobretudo na Infância berlinense). Os fragmentos fumegantes de sua escrita – pedaços arrancados da memória, troços tomados diretamente do corpo da cidade em vias de desaparecer – permaneceram inconclusos, o que é o mesmo que dizer: abertos, maleáveis, infinitamente expansíveis.