Eliezer Levin reúne, nestas Crônicas de Meu Bairro , os flagrantes de um universo que encontrou nele um retratista empático e dedicado. Com efeito, a temática do imigrante judeu em São Paulo já resultou, em sua pena de escritor, em duas outras de ficção: Bom Retiro e Sessão Corrida: Que me Dizes Avozinho? Trata-se de um conjunto de quadros que transcendem o documento descritivo e se fazem reveladores de seu objeto, principalmente pelo toque do ficcionista que os compõem. Vimo-lo, em suas criações anteriores, com a prosa precisa e a narração envolvente em que ela se desenvolve, e vemo-lo, mais uma vez, agora, no cronista desta série de vinhetas sobre o Bom Retiro. Que diz cronista, no Brasil remete a uma arte de primorosa tradição, cujos realizadores se chamam Machado de Assis, Rubem Braga, Sérgio Porto, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, entre outros. Pois bem, sem pretender qualquer comparação crítica, pode-se dizer que Eliezer Levin possui a veia do gênero e a cultiva nos melhores termos da sugestão, poesia, humor e sensibilidade, que são peculiares ao espírito da boa crônica. Mais ainda, ele nos traz aquilo que ela, com a sua linguagem sutil, rápida e flexiva, costuma aportar: uma incisão inesperada na complexidade movente, na fugacidade da experiência e da existência dos homens, em suas variadas condições e contextos, na imagem do instante que passa, do pequeno retrato da surpresa lírica, cômica, trágica e dramática do cotidiano. Neste caso particular, em que o cronista brasileiro incorpora também repasses do contador e contista judeus, do relato da Agadá ao de Scholem Aleihem e Peretz, o que é que se nos representa no palco desta delicada magia da evocação e da configuração? Os semblantes e as estórias de um bairro e de um mundo em rápida transformação no torvelinho da Cosmópolis paulistana - o caracteristicamente judaico, com o seu elenco de figuras e situações, de ditos e saídas tradicionais e às vezes típicos, gravados no anedotário, no folclore e na literatura; mas também o visivelmente mutante no perfil social, cultural e mental do bom-retirense judeu, a sua progressiva descaracterização sob o impacto dos processos modernos de achatamento das particularidades e, ainda, como ênfase especial de alguns dos relatos aqui reunidos, o seu confronto com uma outra especificidade marcante, que rompeu e começa a redesenhar a paisagem do Bom Retiro e a sua atmosfera: a da orientalidade coreana, que vem acrescentar um novo traço de inter-relação e cruzamentos conflitantes e integrativos à fisionomia múltipla e no entanto, ao fim, tão una e individualizada da Paulicéia.